Profissionais de saúde: o peso invisível da capa de herói

Uma importante reflexão sobre a dualidade entre o mito do herói e a invalidação emocional: precisamos falar sobre o peso invisível da capa do herói.

É inegável que a epidemia mundial do Coronavírus COVID-19 deixou evidente, dentre outras coisas, o tamanho de nossa vulnerabilidade humana.

Diante deste cenário algumas categorias profissionais se destacam por estar na linha de frente – da prevenção ao tratamento –, são eles: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, farmacêuticos, biomédicos, pesquisadores e, de igual importância, todos os colaboradores que fazem a manutenção dos ambientes hospitalares e unidades de saúde pelo país, garantindo a higiene dos espaços, o que é tão importante para evitar a disseminação da doença.

Todo esse esforço, sem sombra de dúvidas, é admirável! E eles merecem de nós TODA A GRATIDÃO E RECONHECIMENTO por isso!

Entretanto, culturalmente temos a prática de classificar esses profissionais, especialmente em tempos de crise, como “heróis”. Os heróis, normalmente são pessoas desprovidas de vulnerabilidades humanas: não sentem medo nem dor, não precisam de ajuda, independente dos esforços, sempre vencem; eles são fortes o tempo todo. E, no final, sempre estão ilesos, bonitos e felizes. Os heróis não morrem, não surtam e não adoecem. Os heróis são uma projeção/representação do que todos nós gostaríamos de ser um dia:  invencíveis. Mas os heróis não existem na vida real, apenas na ficção.

O que existe na vida real são humanos com grande disposição, disponibilidade e altruísmo empenhados em cumprir cada palavra de seu juramento profissional. Norteados pelos próprios valores pessoais e em prol do bem comum.

Quando (enquanto cultura) esperamos que esses profissionais sejam “heróis”, deixamos, sem perceber, escapar uma expectativa que pode ser muito adoecedora para eles: a ideia de que eles não podem sentir medo, demonstrar tristeza ou cansaço; não podem errar, adoecer, desistir, fraquejar. A ideia de que precisam suportar tudo sozinhos – que não podem pedir ajuda, afinal, pedir ajuda é um “sinal de fragilidade”.  Sem querer, silenciamos a expressão de seus sentimentos mais humanos e isso pode, além de criar um cenário de ELEVADA autocobrança, predispor ao desenvolvimento de várias doenças emocionais. Afinal de contas: ninguém é de ferro!

Mesmo sendo um gesto genuíno de gratidão e reconhecimento, esse adjetivo pode, nas entrelinhas, ser também invalidante uma vez que transmite a ideia de que “não é válido/não é esperado” que essas pessoas sintam o que qualquer um de nós sentiria se estivesse na mesma posição.

Tanto na rotina normal, quanto agora, de modo especial, num cenário de pandemia como o que estamos vivenciando, esses profissionais colocam-se em situações de grande risco físico/emocional. Lidam com sobrecarga de trabalho, com duras jornadas, privação de sono, nível elevado de estresse pela complexidade das atividades e pela presença constante do risco de contaminação, redução/ausência de hábitos saudáveis à qualidade de vida, diminuição/ausência de reforçadores emocionais e de rede de apoio satisfatória.

Todos esses fatores, somados à ideia de que não podem admitir vulnerabilidade ou tão pouco pedir ajuda, podem predispor à longo prazo, ao completo esgotamento, levando-os a quadros de estresse agudo, depressão, transtornos de ansiedade, síndrome de burnout, dentre outros. Ao final da pandemia, muitos deles terão outro inimigo para enfrentar: o adoecimento físico e mental, que pode trazer consequências graves e de longa duração.

Achatar a curva de disseminação da doença através do isolamento social também é uma forma de zelar por nossos profissionais de saúde, impedindo que os serviços se tornem ainda mais caóticos.

Mas além disso, precisamos verdadeiramente humanizar essas profissões desde a graduação, e tirar deles o peso da culpa a cada vez que sentem-se frágeis ou vulneráveis, para que finalmente possam se sentir confortáveis em pedir ajuda, assim como qualquer pessoa que está sobrecarregada.

A você, profissional de saúde quero carinhosamente dizer: está tudo bem ter medo! Está tudo bem se você chorar! Está tudo bem se em algum momento você sentir que nada vai bem! Você também tem esse direito! PEÇA AJUDA!! ACEITE AJUDA! Você não está fracassando ao admitir que precisa de apoio, ao contrário, está sendo forte e resiliente!

Palmas na janela e em todos os lugares, pois eles merecem!!

Sim, eles são heróis, pois na prática estão onde nenhum de nós deseja estar. Mas também são humanos e precisamos lembrá-los disso para aliviar o fardo do “invencível” que muitas vezes são obrigados a carregar.

Compartilhe com os profissionais de saúde que você admira e mostre que seus esforços não estão invisíveis!

Gostou? Então compartilhe!